A RESISTÊNCIA GUARANI NUMA SÃO PAULO DEMARCADA PELO GOVERNO
Um pequeno guarani no colo,
três índias ao lado produzindo artesanato e prontamente abertas a falar sobre
sua aldeia. Foi assim que encontramos Djera Poty Jú, 63 anos, nascida e criada
no Jaraguá, zona norte de São Paulo - posteriormente, nomeada Eunice.
Palestrante e professora de uma das primeiras escolas estaduais destinadas à
população indígena, Eunice conta com calma e olhos marejados que é “filha de um
dos primeiros guaranis que chegaram ao Jaraguá, em 1964, quando nem a
Bandeirantes existia". Ela afirma que não é correto usar a palavra “tribo”
para se referir à sua comunidade: “nós não gostamos dessa definição. Aqui no
Jaraguá temos várias etnias, chamamos de comunidades, famílias, nação indígena”.
Nos arredores das cinco
pequenas aldeias, ouvimos a minuciosa descrição da evolução das etnias no Jaraguá.
As casas, todas construídas com restos de madeira, são obras do Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto (MTST). "O Centro de Educação da Cultura Indígena
(CECI) foi construído na Gestão Marta Suplicy", aponta Eunice, enquanto
conta sobre cada lugar. As reuniões para a construção da Escola Estadual - que
já oferece aprendizado do ensino Fundamental ao Médio - começaram por volta de
1980, e a partir dos anos 2000 as séries foram desenvolvidas aos poucos.
"Aqueles dois ali estão falando guarani, olha. Eles aprendem guarani
primeiro, nossa língua materna. Depois dos seis ou sete anos, aprendem
português."
O número há aproximadamente
dois anos era de 270 famílias, quando Eunice tinha acesso ao cadastro do posto
de saúde local. Cerca de 800 ou mais pessoas, nascidas ali e em outras
localidades, todas residentes nos arredores do Parque do Jaraguá.
Luta,
conquista e retrocesso
A portaria 581, assinada em 2015 pelo então ministro
José Eduardo Cardozo (PT), foi anulada em 21 de agosto de 2017, pelo atual
Ministro da Justiça, Torquato Jardim. O governo federal cita “erro
administrativo”, pois a reserva foi demarcada sem decisão conjunta com o estado
de São Paulo, ou seja, as normas de utilização do espaço não foram
esclarecidas. A portaria visava a criação da reserva do Jaraguá e, com sua
anulação, o resultado foi a redução deste território, criando então uma
sensação de insegurança acerca das terras onde os moradores poderiam viver,
tudo em conjunto com a pressão do Governo Alckmin (PSDB), que quer conceder as terras
a grupos empresariais.
Ao longo dos meses, temos lido e visto diversos relatos
das manifestações das etnias, reunidas em vários locais de São Paulo a
Brasília. A área demarcada em mais
de 500 hectares foi reduzida a menos de dois (sendo então a menor aldeia do
Brasil). Tecnicamente, as terras que foram demarcadas, após a revogação da
portaria, se tornaram terras "des-demarcadas". Ao ser questionada
sobre a reação das etnias a esses acontecimentos, Eunice anunciou como quem
profere liberdade: “quando veio essa notícia de que ele revogou a demarcação da
terra, a única coisa que a gente pensou é em lutar (do Tupi, Guarani significa
Guerreiro, nome histórico que incentiva a etnia em sua luta)”. Utilizando a
história do Brasil como exemplo, ainda disse: “O português, quando veio para cá,
não chegou comprando nada, ele invadiu a terra, foi morando.” Quando
questionada acerca da importância da cultura, respondeu que a única coisa que
não podem perder é a sua cultura e a língua materna. “A maioria dos brancos não
entendeu a nossa invasão, acharam que nós estávamos querendo o parque e o pico.
Se demarcar a nossa terra, a gente vai garantir a nossa permanência aqui, mas o
parque está preservado. Não tem nenhum indígena morando lá. Nós não invadimos,
eles é que estão invadindo para privatizar tudo”, afirma.
Avenida Paulista, entrada do
Parque do Jaraguá e Planalto em Brasília são apenas três exemplos dos diversos
locais onde as etnias se reuniram com a intenção de obter atenção e resposta do
governo, que, segundo os indígenas, quer a terra por conta do ouro, que ainda
existe na reserva do Jaraguá, e por conta da privatização, urbanização e
possíveis centros comerciais a serem construídos na região.
A
repercussão negativa em torno da revogação da portaria está em expansão, a
causa está ganhando voz. Eunice promete que, se as terras indígenas forem redemarcadas
de acordo com o que é de direito, a comunidade promoverá uma grande festa. "Por
enquanto não temos ainda o que comemorar, mas um dia a gente vai fazer essa
festa e convidar até os brancos!", finaliza.
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